Conto
de Filosofia para Crianças
1º Ano - Escola da Boavista
Tema:
Lola e os Mochinhos
Entro
na sala com um moderado receio! Está ali alguém que, hoje, é um menino muito,
mesmo muito especial! Meu querido Guilherme…
Proponho
construirmos um texto, um conto para participar num concurso e motivo-os para
vencer! Ficam entusiasmados com a ideia e pedem para pôr o seu nome nas frases
que disserem. Acho a ideia interessante e questiono sobre o tema que eles, sem
grandes discordâncias ou discussões, propõem. Aceito…é um novo texto/ conto que
vai brotar da mente destes meninos de seis e sete anos que não raras vezes
tiram a camisola ficando em camisola interior, que perdem os sapatos debaixo de
uma qualquer mesa da sala de aula, que resistem pouco ao agradável desejo de
falar com o colega do lado…porque são meninos de uma enorme e sã convivência!
Estamos
de acordo…o conto vai nascer das suas cabeças pequeninas e cheias de uma
vontade de participar que me deslumbra!
Era
uma vez uns mochinhos que estavam a estudar numa escola do 1º ano, rodeada de
campos verdes, flores, árvores, relva e um parque infantil para as crianças
brincar.
Um
dia apareceu uma professora nova que se chamava Lola que ensinava Filosofia
para Crianças e nós começamos a gostar muito dela e ela gostava, também, muito
de nós.
O QUE È GOSTAR?
-
É alguém que gosta de uma pessoa (Maria Inês), é adorar uma pessoa (Francisca),
é ser amigo dos outros (Duarte), é amar uma pessoa (Matilde).
O QUE É SER PESSOA?
-
É um ser humano (Leandro), que é diferente dos outros todos (todos).
O SER HUMANO É IGUAL AOS ANIMAIS?
-
Sim, porque são amigos (Afonso)
Há
discussão na aula…Há meninos que já estão deitados no chão…
-
…e que discutem (Daniel)
-
Não, porque os animais têm cauda e nós não (Rita). Os animais têm quatro patas
e nós temos dois pés e duas mãos (Inês).
Ouve-se
um barulhinho na aula! Alguns meninos conversam para o lado…e portam-se mal (Duarte).
Quando um falam os outros ” baixam as orelhas”. (Daniel).
OS ANIMAIS PENSAM?
Não,
só têm faro para cheirar e para encontrar comida e o dono. O meu cão encontra
sempre a comida (Rita).
Os
animais não pensam porque os animais não têm escola (Daniel).
A ESCOLA É IMPORTANTE?
Eu
gosto da escola porque eu gosto de aprender (Diana). Porque na escola aprendo
novas letras e faço novos amigos (Guilherme). Eu gosto da escola porque quero
aprender até ao mil (Duarte).
Na escola aprendo a escrever, a ler os
ditongos (Beatriz). Gosto de aprender as vogais (Marta), gosto muito de ler
(Rita). Na escola gosto da Professora de Filosofia para Crianças (disseram
todos os mochinhos). Eu gosto muito de aprender a pensar em Filosofia para
Crianças (Marta), amo a professora Lola (Filipa), gosto de aprender novas
palavras (Eva), a professora Lola é a melhor amiga (Maria Inês), aprendo
números novos (Leandro), aprender é sempre bom (Matilde), gosto muito de
encontrar novos amigos e novos professores (Francisca), faz bem ao meu cérebro
(Inês), a escola é muito importante para todos os meninos aprenderem (Ana Matilde).
Aprender a ler…
O QUE É UM LIVRO?
É
uma coisa que tem letras, que dá para escrever e aprende-se a ser mais
inteligente (Leandro), pode-se ler (Rita), é um objecto (Leandro) que se pode
ler e aprender (Duarte), para conhecer novas palavras (Guilherme) e para
treinar a leitura (Inês) e é um objecto que tem páginas (Leandro).
AS PESSOAS SÃO OBJECTOS?
Não,
(Todos), porque nós somos seres humanos, temos vida e os objectos não (Maria
Inês). Os objectos não respiram, não têm coração (Rita), não têm mãos nem
pernas ( Ana Matilde) e não têm boca nem nariz (Afonso).
OS OBJECTOS SÃO LIVRES?
Não
(Todos), porque eles andam nas nossas mãos (Francisca), os objectos não têm
cabelo (Diana), não têm ouvidos (Leandro), não têm olhos e nós temos (Inês).
E AS PESSOAS SÃO LIVRES?
Sim,
(Todos) porque podem sair de casa (Inês), ir à rua e passear (Marta e
Francisca), podem ir ao cinema com os pais ( Marta).
Eu
nunca fui ao cinema! (Francisca) E fomos (corrige o Guilherme), nós já fomos
com a turma na pré e no primeiro ano ver um teatro. As pessoas que lêem livros
são mais livres do que aqueles que não lêem (Maria Inês).
O QUE É A LIBERDADE?
É
andar à solta (Leandro), é roubar, diz o André que vive uma vida de
instabilidade e miséria intelectual que não o deixam distinguir, ainda, o bem
do mal, de vivenciar as regras que tem de cumprir…que está preso a um contexto
demasiado empobrecedor de sua infância que deveria ser tudo menos a antítese de
momentos esperançados.
Olho-o
com ternura…neste momento pede para vir para junto de mim, pois esteve numa
mesa sozinho porque não aceita ser chamado à atenção. Tu não és minha mãe,
regateia frequentemente.
ISSO É LIBERDADE?
Não,
porque é muito feio (Leandro) e depois vamos para a prisão (Ana Matilde). Nós
andarmos cá fora é ser livre (Inês). E não se devem libertar as pessoas que só
roubam coisas porque elas querem a liberdade para roubar (Maria Inês).
A FILOSOFIA PARA CRIANÇAS AJUDA A
PENSAR?
Sim
(Todos), sobre o Mundo (Duarte), sobre a Amizade e o Amor (Filipa).
Dá
para aprender a pensar, imaginar e para aprender a SER AMIGO, concluiu o
Guilherme!
Meu
querido Guilherme…
Tem
um brilho desmesurado a correr nos seus olhos sorridentes! Quem poderia
imaginar que hoje o encontraria assim…Deu-me um suave abracinho, junto com os
outros mochinhos, quando entrei na sala de aula! Tanta ternura para partilhar,
tanta infância para viver…
A
mamã do Guilherme partiu para o céu há dois dias! Trinta e oito anos de um
desejo frustrado pela doença amarga e duramente incontrolável! Tinha apenas um
desejo que manifestou…criar o seu filho!
Tal
não foi possível…deixou-nos o seu, o nosso, Guilherme!
Agora
cabe às suas professoras cuidar o Guilherme do alto da nossa ternura e encantamento
por esta infância de futuros esperançados!
Provavelmente, o
Guilherme nunca lerá obras como La Mort Heureuse. de Albert
Camus ou mesmo a monumental reflexão de Vladimir Jankélévitch em
La mort, mas…
…tem, já, cravejada no seu coração de infância, a
ausência sentidamente agreste, perturbadoramente escandalosa, que sempre o abraçará com um nome demasiado pequenino,
mas docemente eterno: Mãe!
Que
sentido(s) para a vida, Guilherme?
Professora Lola