sexta-feira, 29 de junho de 2018

Meninos da Boavista





Conto de Filosofia para Crianças

1º Ano - Escola da Boavista


Tema: Lola e os Mochinhos

Entro na sala com um moderado receio! Está ali alguém que, hoje, é um menino muito, mesmo muito especial! Meu querido Guilherme…
Proponho construirmos um texto, um conto para participar num concurso e motivo-os para vencer! Ficam entusiasmados com a ideia e pedem para pôr o seu nome nas frases que disserem. Acho a ideia interessante e questiono sobre o tema que eles, sem grandes discordâncias ou discussões, propõem. Aceito…é um novo texto/ conto que vai brotar da mente destes meninos de seis e sete anos que não raras vezes tiram a camisola ficando em camisola interior, que perdem os sapatos debaixo de uma qualquer mesa da sala de aula, que resistem pouco ao agradável desejo de falar com o colega do lado…porque são meninos de uma enorme e sã convivência!
Estamos de acordo…o conto vai nascer das suas cabeças pequeninas e cheias de uma vontade de participar que me deslumbra!
Era uma vez uns mochinhos que estavam a estudar numa escola do 1º ano, rodeada de campos verdes, flores, árvores, relva e um parque infantil para as crianças brincar.
Um dia apareceu uma professora nova que se chamava Lola que ensinava Filosofia para Crianças e nós começamos a gostar muito dela e ela gostava, também, muito de nós.

O QUE È GOSTAR?
- É alguém que gosta de uma pessoa (Maria Inês), é adorar uma pessoa (Francisca), é ser amigo dos outros (Duarte), é amar uma pessoa (Matilde).

O QUE É SER PESSOA?
- É um ser humano (Leandro), que é diferente dos outros todos (todos).

O SER HUMANO É IGUAL AOS ANIMAIS?
- Sim, porque são amigos (Afonso)
Há discussão na aula…Há meninos que já estão deitados no chão…
- …e que discutem (Daniel)
- Não, porque os animais têm cauda e nós não (Rita). Os animais têm quatro patas e nós temos dois pés e duas mãos (Inês).
Ouve-se um barulhinho na aula! Alguns meninos conversam para o lado…e portam-se mal (Duarte). Quando um falam os outros ” baixam as orelhas”. (Daniel).

OS ANIMAIS PENSAM?
Não, só têm faro para cheirar e para encontrar comida e o dono. O meu cão encontra sempre a comida (Rita).
Os animais não pensam porque os animais não têm escola (Daniel).

A ESCOLA É IMPORTANTE?
Eu gosto da escola porque eu gosto de aprender (Diana). Porque na escola aprendo novas letras e faço novos amigos (Guilherme). Eu gosto da escola porque quero aprender até ao mil (Duarte).
 Na escola aprendo a escrever, a ler os ditongos (Beatriz). Gosto de aprender as vogais (Marta), gosto muito de ler (Rita). Na escola gosto da Professora de Filosofia para Crianças (disseram todos os mochinhos). Eu gosto muito de aprender a pensar em Filosofia para Crianças (Marta), amo a professora Lola (Filipa), gosto de aprender novas palavras (Eva), a professora Lola é a melhor amiga (Maria Inês), aprendo números novos (Leandro), aprender é sempre bom (Matilde), gosto muito de encontrar novos amigos e novos professores (Francisca), faz bem ao meu cérebro (Inês), a escola é muito importante para todos os meninos aprenderem (Ana Matilde). Aprender a ler…

O QUE É UM LIVRO?
É uma coisa que tem letras, que dá para escrever e aprende-se a ser mais inteligente (Leandro), pode-se ler (Rita), é um objecto (Leandro) que se pode ler e aprender (Duarte), para conhecer novas palavras (Guilherme) e para treinar a leitura (Inês) e é um objecto que tem páginas (Leandro).

AS PESSOAS SÃO OBJECTOS?
Não, (Todos), porque nós somos seres humanos, temos vida e os objectos não (Maria Inês). Os objectos não respiram, não têm coração (Rita), não têm mãos nem pernas ( Ana Matilde) e não têm boca nem nariz (Afonso).

OS OBJECTOS SÃO LIVRES?
Não (Todos), porque eles andam nas nossas mãos (Francisca), os objectos não têm cabelo (Diana), não têm ouvidos (Leandro), não têm olhos e nós temos (Inês).

E AS PESSOAS SÃO LIVRES?
Sim, (Todos) porque podem sair de casa (Inês), ir à rua e passear (Marta e Francisca), podem ir ao cinema com os pais ( Marta).
Eu nunca fui ao cinema! (Francisca) E fomos (corrige o Guilherme), nós já fomos com a turma na pré e no primeiro ano ver um teatro. As pessoas que lêem livros são mais livres do que aqueles que não lêem (Maria Inês).

O QUE É A LIBERDADE?
É andar à solta (Leandro), é roubar, diz o André que vive uma vida de instabilidade e miséria intelectual que não o deixam distinguir, ainda, o bem do mal, de vivenciar as regras que tem de cumprir…que está preso a um contexto demasiado empobrecedor de sua infância que deveria ser tudo menos a antítese de momentos esperançados.
Olho-o com ternura…neste momento pede para vir para junto de mim, pois esteve numa mesa sozinho porque não aceita ser chamado à atenção. Tu não és minha mãe, regateia frequentemente.

ISSO É LIBERDADE?
Não, porque é muito feio (Leandro) e depois vamos para a prisão (Ana Matilde). Nós andarmos cá fora é ser livre (Inês). E não se devem libertar as pessoas que só roubam coisas porque elas querem a liberdade para roubar (Maria Inês).

A FILOSOFIA PARA CRIANÇAS AJUDA A PENSAR?
Sim (Todos), sobre o Mundo (Duarte), sobre a Amizade e o Amor (Filipa).
Dá para aprender a pensar, imaginar e para aprender a SER AMIGO, concluiu o Guilherme!

Meu querido Guilherme…
Tem um brilho desmesurado a correr nos seus olhos sorridentes! Quem poderia imaginar que hoje o encontraria assim…Deu-me um suave abracinho, junto com os outros mochinhos, quando entrei na sala de aula! Tanta ternura para partilhar, tanta infância para viver…
A mamã do Guilherme partiu para o céu há dois dias! Trinta e oito anos de um desejo frustrado pela doença amarga e duramente incontrolável! Tinha apenas um desejo que manifestou…criar o seu filho!
Tal não foi possível…deixou-nos o seu, o nosso, Guilherme!
Agora cabe às suas professoras cuidar o Guilherme do alto da nossa ternura e encantamento por esta infância de futuros esperançados!

Provavelmente, o Guilherme nunca lerá  obras como La Mort Heureuse. de Albert Camus ou mesmo a monumental reflexão de Vladimir Jankélévitch em La mort, mas…

…tem, já,  cravejada no seu coração de infância, a ausência sentidamente agreste, perturbadoramente escandalosa,  que sempre o abraçará com um nome demasiado pequenino, mas docemente eterno: Mãe!

Que sentido(s) para a vida, Guilherme?


                                                                         Professora Lola


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