Conto Filosófico
Turma do 1ºe 2º Ano -
Moldes
Tema: O Bem e o Mal
A escola está
encravada na serra manchada de verde e de memórias de incêndios que, ainda,
povoam o imaginário e há, aqui, oito meninos (cinco do primeiro ano e três do
segundo ano) que vêem o mundo do alto de cinco vogais e de mais uma dúzia de
consoantes que a vontade e o empenho lhe tem proporcionado descobrir!
A sala antiga conjuga
o antigo e o moderno numa simbiose que, nos faz recordar a infância de uma
escola do antigamente e as, indispensáveis e sempre actuais tecnologias do
presente!
Na sala de aula vejo
sólidos geométricos em madeira, um quadro negro com o giz, um apagador de marca
Cisne, uma caixa métrica que resistiu ao peso dos anos, carteiras com o
tinteiro, um aquecedor a luz que conforta o corpo e a alma destes meninos que
têm em si o exilio de uma infância que nunca, mesmo nunca, deveria ser
transportada para a adultez.
Proponho um
conto…ficam entusiasmados! O pouco para eles é muito…têm a avidez do saber, a
doçura da descoberta do novo, a profunda sensibilidade de um olhar cravejado de
esperança.
Ainda não constroem
textos longos e articulados! Não me interessa…
… sabem pensar e
abordam temas filosóficos que, em jeito de método socrático, vou ajudando a
espevitar da pequenez do seu ser.
Sentados numa manta,
no chão, ao meu redor, escolhem o tema e contam a estória…Eu limito-me a
(d)escrever as suas palavras, os seus pequeninos olhares, as suas inquietações,
as suas perplexidades, os seus futuros, docemente, esperançados.
Era uma vez uma Princesa
boa, bonita, magra, alta, loura que usava vestidos coloridos, muito giros,
brilhantes, com desenhos de estrelas e flores! Usava, também, tiaras com
diamantes, joias muito bonitas quase como estrelas e com forma de rosas.
- E planetas? – diz o
José.
- O que são planetas?
– interroga a Francisca.
- Planeta terra… - afirma a Ariana.
- Plutão – diz o Luís
- Não existe – ataca
a Patrícia.
- E existe… responde
prontamente o Luís.
Entramos na estória
da Princesa… e do Sapo dizem os miúdos em conjunto.
A princesa era boa
porque gostava muito das pessoas, ajudava-as sempre que elas precisavam, era
simpática, partilhava comida…
- …e vacas e galinhas
refere o José pintando o contexto da sua
vida.
- … e pintainhos,
acrescenta o Luís. E dava água, ajudava os velhinhos, os idosos e pobres e
cuidava bem deles.
O QUE É CUIDAR?
- É ajudar, diz a
Carolina.
Alguns alunos
levantam-se da manta de trapos…outros mudam-se de lugar. Insisto:
O EU É SER BOM?
- É ser simpático - diz o José e a Yara.
- Ajudar as pessoas –
diz o Filipe e a Yara
- Ser educado - diz a Carolina
- Respeitar… - diz o
Zé
- …as pessoas,
completa o Luís Filipe.
MAIS?
- Não há mais - afirma o José,
A princesa era boa e
um dia encontrou um sapo verde claro, muito gordo, comilão e mal educado.
O QUE É SER MAL
EDUCADO?
- Não respeitar as
pessoas - antecipa o Luís Filipe
- Não cumprir as
regras – acrescenta a Carolina
- Não ajudar os
outros - afirma a Yara
- Roubar comida às
pessoas – cantam em uníssono o Luís e a Yara.
- Não chimpar lixo
para o chão - remata o Zé.
O QUE É SER PESSOA?
- É ser Humano - responde a Yara
- Ser adulto e ser
criança - afirmam todos os meninos
- Ser bom com os
outros…ser bom pai e mãe…dar muito carinho, dar abraços e beijinhos.
AS PESSOAS TÊM DIREITOS?
- Siimmm - disseram todos,
QUE DIREITOS TÊM AS PESSOAS?
- Ser respeitado - inicia a Carolina;
- Cumprir as regras -
continua a Ariana;
- Ajudar os
pretinhos, os ciganos, os meninos da guerra - dizem os alunos;
Entretanto o Luís
Filipe tira a sapatilha…
- …estou a aquecer o
meu pé no aquecedor.
- Não posso aquecer?
Admira-se perguntando;
O LUIS FILIPE, A AQUECER O PÉ ,É UM DIREITO SEU?
- Não, responde
prontamente;
- Foi para ficar mais
confortável e quentinho…disse eu para o acarinhar em palavras!
VAMOS, ENTÃO, ENCONTAR O SAPO…
- O sapo era mau -
diz a Yara.
O QUE É O MAL?
- É ser mal educado,
não respeitar os outros - diz o Luís
Filipe;
Algumas alunas, já
levantadas, tocam os meus brincos…estão quase em cima de mim…já se ouve um
sereno sururu entre o pequeno grupo!
- Não aleijar - Ariana
- Não chatear - disse a Francisca;
- Fazer guerras…não
partilhar…não ser invejoso - diz a Carolina;
O sapo era muito mau…
- Estás sempre a
cuspir - adverte o José para uma colega;
HÁ MUITAS PESSOAS COMO A PRINCESA?
- Sim, aqueles que
ajudam como os bombeiros, a família, os médicos, os guardas…os construtores
porque têm máquinas - diz o Luis Filipe!
E COMO O SAPO, EXISTEM MUITAS PESSOAS NA SOCIEDADE?
- Algumas - diz o
Luis Filipe, numa certa desilusão.
- Pessoas que são mal-educadas,
que roubam, que fazem as guerras e que tiram a Liberdade aos outros - remata a
Carolina;
O QUE É A LIBERDADE?
- Ficar solto - inicia a Francisca e o Luiz;
- Cheirar a Natureza
- sente o Luiz Filipe;
- Gostar dos animais,-
acrescenta o Zé;
LER UM LIVRO É LIBERDADE?
- Ajuda-nos a
relaxar- diz a Francisca;
- Ajuda-nos a pensar
…e a escrever palavras e estórias.
QUE LETRAS CONHECEM?
- As vogais todas,
diz a Ariana;
- E algumas
consoantes… e hoje aprendemos o S de sapato - dizem os meninos!
ENTÃO COM AS AS LETRAS QUE CONHECEM; VAMOS FALAR DE
PALAVRAS QUE GOSTEM MUITO.
- Natureza para
respirar ar puro - diz o Luis Filipe;
Mar - afirma a Carolina B… porque podemos nadar em
Liberdade;
- Amigo, diz a
Francisca…porque são muito importantes para nós!
- E Animais - completa o Zé.
OS ANIMAIS TÊM DIREITOS?
- Simmm…
- …A comer… ser bem
tratados e a viver em Liberdade como as PESSOAS!
Acaba a aula e a sua
paciência em permanecer parado! Espera-os um bolo para comemorar o aniversário
da Carolina. O Zé imita uma motorizada ao sair da sala…com guiador e tudo! Eu
demoro-me um pouco…e quando saio vejo-os todos sentaditos, numa mesa redonda
muito baixinha, à minha espera para iniciarem o lanche!
Confesso, sinto-me
acarinhada e, juntinho a eles, participo na partilha do bolo observando a Carolina a dar um presentinho a
cada colega!
Mais uns minutos e
preparo-me para deixar estes meninos até à próxima semana. No percurso até ao
meu carro, penso, docemente, neles que…
…não conhecem
conceitos filosóficos como a AMIZADE
em Aristóteles, o BEM de Platão,
a BANALIZAÇÃO DO MAL de Hanna Arendt, o OUTRO em Levinas, a LIBERDADE
em Sartre, o CUIDADO em Michel Moucault, o PRINCIPIO
ESPERANÇA em Ernest Bloch , o altruismo eficaz, ou mesmo a ética animal em Peter Singer e, claro, o sempre recomendado e apetecível, IMPERATIVO CATEGÒRICO de Kant!
No entanto…
… vivem estes
e outros conceitos numa pureza de olhares, sentires e agires que me seduzem e
envolvem, demorada e deliciosamente, em cada encontro filosoficamente
improvisado!
Professora Lola
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